domingo, 4 de novembro de 2018

[LIVRO LIAMES LIVRE PARA OUVIR]

Para facilitar o acesso dos deficientes visuais ao meu livro "Liames", lancei um áudio livro (EP) GRATUITO com onze faixas musicadas da obra, utilizando a plataforma #SoundCloud para suprir essa demanda pouco trabalhada por nós, escritores cearenses. 
A ideia é ouvir para ver outros mundos, outros territórios “não territorializados” e, assim, dar voz a instabilidade das nossas certezas. Por esse prisma, o áudio livro Liames que de início nasceu para ser utilizado apenas para pessoas com deficiência visual, já ganhou adeptos até mesmo dos não deficientes.
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#Liames pelo SoundCloud é um “escutatório”; um espaço construído diariamente, a fim de, juntos, desbravarmos as palavras em narrativas insondáveis.
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Entre e fique à vontade para ouvir e imaginar:
https://m.soundcloud.com/lisianeforte/albums
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#lisianeforte #literatura #ouçamulheres #mulheresnaliteratura #escritoras#audiolivro #audiolivros #deficientevisual #escritorascearenses #fortaleza#autoras #ceara #brasil #temnosoundcloud #arte
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*SoundCloud é uma plataforma online de publicação de áudio utilizada por profissionais de música sediado em Berlim, Alemanha, fundado por Alexander Ljung e Eric Wahlforss em Agosto de 2007. Nele os músicos podem colaborar, compartilhar, promover e distribuir suas composições

terça-feira, 30 de outubro de 2018

O Livro das Liberdades Inventadas


Nos anos 80, Jesuína era uma infante¹, e o provedor do lar, como em tantos outros lares, era o homem – ele apenas. Seu José, não era um homem como se diziam por aí; ele acreditava em barrigas d’água que apareciam do nada e em seres angelicais que desciam à terra. Jejuava e orava aos céus. Sua menina, a Jesuína, passava o dia entre os galhos das mangueiras mais altas, chupando as mangas mais apetitosas que encontrava, saboreando-as. Ela rebolava as frutas para o pai. Seu José ria daquela cena – Jesuína nem sabia que isso era coisa de menino. Com a mesma liberdade, Jesuína andava suja e descalça pelos muros das casas, todas interligadas. Era a Cidade dos Funcionários², reduto dos considerados “gente de classe média”. Jesuína só entendeu mais tarde a expressão: “essa média que as pessoas fazem, sabe? ”, quando leu um livro de Marilena Chauí na Universidade.

- Que privilégio, Jesuína entrou numa universidade particular, todos enchiam a boca para falar!

Bota maquiagem, roupa nova; bota perfume francês feito na esquina.

- Bota salto alto para saltar mais alto, a sua Maria dizia – a mãe.

 Seu José apreciava a moça que sabia ler de tudo. Ele dizia para todos os vizinhos que Jesuína, ainda menina, leu Cavalo de Tróia 1, 2 e 3. Ficção, tudo tão inusitado para seu José. Agora, ele tinha alguém para conversar em casa. Seu José passou um tempo sem comprar roupas novas para pagar os estudos de sua moça tão inteligente. Jesuína era grata, mas encorpou e não gostava tanto assim dos enfeites, do azeite, dos deleites. Trabalhoso esse negócio de esticar cabelo, de colocar pó na cara e do cheiro de perfume da vovó que parecia não combinar muito bem com algo ali. Um dia, pelo janelão do Paranjana³, avistou uma coisa no lixão, e foi quando saltou o salto que teve – era o livro das liberdades inventadas. Jesuína lia e relia. Toda vez que lia o livro das liberdades inventadas, uma lágrima caia. E era cada vez menos pó na cara, menos vestes, menos enfeites. Tudo era cada vez menos, menos a verdade. Ela estranhou todas as coisas que eram demais, não por serem intensas, só as que eram a “mais” mesmo. Então, aumentou o seu medo, era demais o medo, porque agora ela era de “menos”, como uma “cachorra de rua”, já toda açoitada por comer do lixo dos outros.  

Estranhava ela.

Estranhavam ela.

Estranham ainda dela. 



Lisiane Forte

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1 – ETIM lat. infans,āntis 'que não fala, que tem pouca idade, novo, pequeno, criança'

2 - Cidade dos Funcionários é um bairro de Fortaleza localizado no sudeste da cidade. A região foi adquirida há mais de 50 anos pelo governo do estado, loteada e vendida para funcionários públicos do estado. De onde foi tirado o seu atual nome. É um dos bairros mais populosos de Fortaleza, e onde fica localizada a Igreja da Glória uma das mais procuradas na cidade para casamentos católicos. Ultimamente o bairro cresceu muito, está localizado na região que mais cresce na cidade de Fortaleza, ano após ano, mais prédios, condomínios e casas são construídas. No bairro existem diversos comércios, restaurantes, padarias, shoppings, escolas, praças, farmácias, supermercados, igrejas, postos de combustível, entre outros.

3 – Antigas linhas de transporte público de Fortaleza: Paranjana 1 e Paranjana 2.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Sarau Litero Musical Vestigium (24 de julho)


24 de julho | 18h - Lançamento do projeto Vestigium Documenta;
                     19h - Inicio do Sarau.
TODOS CONVIDADOS!
Onde: @vestigiumbraa - Rua Nogueira Acioli, 891 - Aldeota
Poetas:
Alan Mendonça
Francélio Figueredo
Gildemar Pontes
Lourdes Bernardo
Lidiane Cordeiro
Lisiane Forte
Natália Harrop
Nina Rizzi
Ricardo Kelmer
Talles Azigon
Kelsen Bravos
Músicos:
Anastácia e Zé Eugênio
Pingo de Fortaleza
Kátia Freitas
Kazane Blues

Saiba mais: https://shoutout.wix.com/so/0MHsf1Fu#/main

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Das exortações

                                                                           
Meu retrato, obra do artista Danillo Lima

A carcaça me salva do espirito,
da condição andarilha e dos sustos – no grito.
O espírito tem outros planos para as suas fraquezas,
e ocupa os lugares mais incômodos das heranças –  no baú, as miudezas.
A carcaça não lê profecias estancadas nas feridas,
das águas ambíguas, das hipocrisias.
Mas, o espírito de destemor despudorado, enfrenta o tempo de escolha,
dos açoites e das horas frias.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Das coisas


Eu não quero ser "tarde demais” para as coisas intranquilas;

Do garfo, do coração, das coisas de antemão.

No entanto, eu só falo sobre o "nada" e me comovo com o que cai, subitamente, no chão.

E transbordo aquilo que não tem peso, tamanho e medida – coisas que não estão nas apostilas,

Dos que se escondem nos enredos, das coisas rasteiras e sombrias.

Desses fingimentos reais, das coisas de "graça" -  dessas ditas democráticas.

Eu tenho as obrigações dos que vivem,

Das coisas que cabem a cada um de nós.

Desde então, a flor desabrocha, o galo canta e a piada destoa – desfaçam os nós;

Das miudezas, das poeiras, das incertezas,

Do que está por trás de nós, é para todos nós.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Das Oliveiras

A arte entalhou a mulher das oliveiras
e fala dos seus afetos e de suas fronteiras,
dos espelhos que pairam sobre cada pétala - dela.
Sim, da mulher que abocanha todos os sentidos,
e que de nada sabia dos finitos, dos seus próprios escritos.
Agora, ela está fora do tempo dos convertidos
e segura os ciclos nas mãos de todos os pervertidos.

Ela não fragmenta mais os dias de si
e inteira faz eixo e consola os "de perto", num frenesi.
Faminta de ser mais do que o próprio corpo - tão torto,
e não tem mais idade, nem é cor e nem peso exposto.
Dá conta das formas que a beleza mostra pelo dorso,
dos "algos" que tem mais do quem acenam as mãos,
dos sentidos, dos perenes, dos que não podem acabar em vão.

A mulher cava da terra todos os símbolos,
dos risos vagos e dos discursos frívolos, e não tem mais ídolos.
Ela fala com a língua sem enfeite, linhas de corte e sem recorte.
As retóricas para os verbosos - dos que acham que tem sorte.
Enganam-se quem acha que a mulher não é desse mundo,
do real enxerga a graça e do que está imundo - pune com o próprio punho.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Dos meus inteiros

A flor da dor de Danillo Lima (releitura de Edvard Much)
Todos os meus inteiros acolhem pedaços de mim,
e sagram pendurados no varal lá de casa,
colorindo os meus lençóis de cetim. 
Todos os meus inteiros ajuntam surrados pudores.
tal é a minha tinhosa ojeriza
do hálito fétido desses acirrados inquisidores.

Todos os meus inteiros são filhos do pai,
e guiados pelos suores cartesianos,
atravessam as idades, sem mais.

Todos os meus inteiros cresceram assim;
sem os sagrados virginais cor de carmim,
e das horas maternas dos partos.
Coitada de mim!

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Das vésperas

Eu tenho horror às vésperas. Esperanças e esperas. De tudo o que resta - não resta nada. Mas eu nunca sei disso e sigo de olhos agarrados às chances - todas mínimas. É sempre tudo ou nada, desse medo que aperta e dói o dorso. E todas as minhas válvulas ricocheteiam o peito. Eu viro do avesso, sangro os poros; e o suor arde as minhas vistas, inundando-as. Dos líquidos, só o leite não escorre - era bonito. Eu sufoco os olhos apertados, dessa dor que rasga as calmas. Já as minhas costas pesam às vésperas. Das voltas que dei, das más vindas, dos recados mal dados, das coisas que ainda não sei. Todas as vezes, todas às vésperas, e sempre um pouco mais a cada promessa.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Das noturnas

Ilustração minha
De todas as histórias que vagueiam por três atos,
as matutinas serão desdenhadas por ti;
das vespertinas, ruminará as memórias de cada pôr do sol fatigado sem mim.
A tarde que tinha cheiro de sol, sal e sapoti,
findará o dia umedecida pelas chuvas que cairão por aqui.
Das serenas que pareciam brandas, recolherá as impressões vistas daí.
Lembrará só das noturnas e das mais aflitas canções de rua,
e estas serão tormentas até o fim.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Parada Obrigatória

Foto minha - Filtros de óleo

Eu bem que poderia ter adotado minhas já conhecidas medidas protelatórias - das muitas vezes que delonguei.
Mas, por alguma razão, parei de "engolir ar" e por ali mesmo fiquei.
Remansada, esperançada, talvez até mais acordada.
Eu que sempre andei a pé - descalça em terra quente, fugindo da aflição, caçando lugar para pernoitar.
Estava ali, sem ameaças para fugir ou lutar, apenas acertando os próximos passos a dar.
O tempo já tinha esperado por mim, e eu que precisava trocar tudo de novo, com data, hora e lugar.
Não se pode andar por aí, sem por um momento parar.
Eu que sempre quis correr, escorrer e descer pelo ralo, não podia mais cantar de galo - só esperar.
Parei aqui, na contramão de tudo, oxidada, enferrujada, mas resignada -  das muitas vezes que é necessário aceitar.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Epílogos

Eu não cheguei aqui e de repente sou aquela que te diz algo.
Não, não, sou aquela que te diz algo porque existiram todas aquelas que já te "inquietaram" para trás.
Porque há muita coisa para trás.
E eu seria uma dessas.
Dessas que ficou para trás.
Não, não, serei aquela que fez cânticos, desatinos e escombros porque tudo é finitude.
Porque existiu desfechos para trás.
E eu serei uma dessas.
Dessas que se revelam enquanto passado, e que não reconhecem o seu lugar.
Porque só existe um lugar para quem ficou para trás.
E eu nunca seria uma dessas.
Dessas que tem esse lugar.


sexta-feira, 13 de abril de 2018

Quanta verdade uma pessoa é capaz de suportar?

De todas as vivências, as que mais nos angustiam são as que se avizinham - conseguiremos não nos importar?
O que ainda não é legítimo, de tempos a tempos, se escancara em praça pública e expõe a nossa nudez. Talvez, fôssemos condenados em primeira instância - eu não sei.
Quem quer ser pego de súbito pelos seus flagelos? De todas as incoerências que permeiam o real e o ilusório, as que mais nos desatinam são as que nós mesmos produzimos.
O que se assemelha ainda não é, e talvez nunca será, eis a existência - poderemos sustentar?

quinta-feira, 12 de abril de 2018

O outro e eu

Compreender o outro é considerar a sua singularidade; é concentrar-se no diálogo interior que se apresenta, e ocupar-se mais com a investigação da sua interioridade; é entende-lo como livre e autoconsciente e, vivencia-lo como pessoa que apresenta um modo único de ser e de realizar a sua performática no mundo.
Compreender o outro é ouvi-lo, profundamente, quando este diz "EU", e que deseja ser reconhecido como tal, levando em conta as suas peculiaridades – o que o torna único e, assim, complexo. Este lugar do "EU" é onde ele se reconhece, sua verdadeira morada, o próprio eu que atua em todas as suas experiências.
Compreender o outro é respeita-lo no seu sentido de existir, e lutar contra às instâncias que enquadram o individuo em "caixas pré-fabricadas", desconsiderando a sua singularidade.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Confira o convite!


Em parceria com a Editora Premius, a Livraria Leitura receberá, no dia 17 de abril, a partir das 19 horas, o lançamento do livro “LIAMES”. No evento, a autora Lisiane Forte receberá os convidados para um bate papo sobre o processo de construção de suas narrativas. A entrada é gratuita e aberta ao público.
Quando: terça, 17, a partir das 19 horas
Onde: Livraria Leitura do shopping RioMar Fortaleza (rua Des. Lauro Nogueira, 1500 - Papicu)
GRATUITO

domingo, 1 de abril de 2018


Em parceria com a Premius Editora, a Livraria Leitura receberá, no dia 17 de abril, a partir das 19 horas, o lançamento do livro “LIAMES”. No evento, a autora Lisiane Forte receberá os convidados para um bate papo sobre o processo de construção de suas narrativas. A entrada é gratuita e aberta ao público.
Quando: terça, 17, a partir das 19 horas
Onde: Livraria Leitura do shopping RioMar Fortaleza (rua Des. Lauro Nogueira, 1500 - Papicu)
GRATUITO

terça-feira, 27 de março de 2018

Mormaço

Aquele mormaço vindo do nada,
esgueirou-se pelo chão quente,
onde eu estava confinada.
Adentrou pela fechadura da porta
e caçoou das minhas palavras improvisadas.
Todos os tratados mancomunados "fizeram as malas".
De destino não mapeado,
e cega aos sorrisos sarcásticos, a fala.
E o mormaço feito de sentimentos mal digeridos,
e surdo aos próprios bramidos, de gala.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Coisa dela

Tentei ficar por aqui tão logo espiei o lugar.
Aqui, do alto, sempre foi mais fácil olhar,
Vespas, luzes, clarão.
Desse lado, não há nada parecido com as coincidências de ontem.
Mas ainda avisto o passado pela frente, desolado, como anteontem!
Do lado de lá, as certezas rangem os dentes.
Todas elas, esmeradas, carrancudas e prepotentes.
De peito aberto, ajuntei as dores e descansei das longas horas na sala de espera.
A minha voz é alta e impera
E sofre de melancolias ampliadas, "coisa dela".

sexta-feira, 16 de março de 2018

Confira o vídeo da abertura da mostra "Donas de Si"!

Estou participando da exposição "Donas de Si" que é I Mostra em Homenagem ao dia Internacional da Mulher da Vestigium ArtGallery.
A vernissage ocorreu no dia 09 de março, e ficará em cartaz até o dia 07 de abril. Confere lá!
Abaixo, o vídeo da vernissage.


quarta-feira, 7 de março de 2018

Impermanências


Se tiveres um plano para me esquecer, lembre-se que um dia tudo vai passar.
As horas de hoje; o dia de amanhã, e o meu tênis vermelho que esqueci ontem por aqui.
Já confessei a ti que jorra sangue entre as minhas pernas, enquanto desbota toda a cor do meu vestido verde (tão curto quanto as minhas permanências).
Eu já não quero trançar os cabelos para te ver passar, de tão longos e soltos os meus dias.
Então, só te restarás partir, assim sem pedir licença; sair de perto de mim, assim sem demora.
É que eu não sou mais daqui, e não pertenço a ti.
Se fugires, talvez não sofrerás mais com o meu riso frouxo e meus atrasos permanentes.
Mas, se tiveres um plano para me esquecer, lembre-se que um dia tudo, tudo vai passar.

terça-feira, 6 de março de 2018

Próxima parada

Já era fim da linha quando paramos em frente a uma “bodega” que vendia panelada aos fins de semana. De tempero forte e longa cozedura, o prato e eu. O motorista, distraído, não parou quando dei o sinal, e eu só queria ir atrás das minhas inexistências. A paneleira até desconfiou do meu olhar delongado pela sua calçada. É que hoje acordei sem café e sem afeto, dando voltas numa cidade que ainda não conhecia. Longe dali, pelo janelão, só avistava pessoas sem lugar e sem história. Talvez vultos que definham. Faces que escapam a memória.  E, aqui dentro, eu era tão invisível para o meu companheiro de viagem, quanto os pontos de resistência de quem queria descer na próxima parada.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Dos ofícios

Eu nasci predestinada a confessar as histórias do silêncio, e como são cinzas os dilemas que provém da mudez.
São cinzentas, molhadas e férteis as nuvens carregadas de chuva.
Eu sou uma criatura que revela o deserto escuro, e só faço moradia no que há entre o nada e o tudo. Mas só saio de lá com o que não pertence a mim para devolver a ti.

Na Costa Oeste da Vila

Hoje acordei daquele sonho que se repete e fere,
"Sinto que sofro vertigens com a sombra do meu corpo sobre o mar. Então escuto o marulhar revolto contando que o tempo brinca com as marés e foge à desfilada."
É sempre uma confissão, como levar a concha aos ouvidos e escutar canções em dialetos antigos. Lembro até que ancorei naqueles rochedos, embaraçada em espumas brancas. 
"- Pescador, perdoe-me a alma livre, nunca aprendi mesmo com os náufragos! É que desde lá, despenhei num abismo redemoinhante e naufraguei em ventos fortes. Mas, ao acordar, senti o sibilo do vento por entre aquelas rochas, cronometrando todas as minhas vaidosas verdades. E em instantes, eu era, novamente, prisioneira dos teus rochedos."
Hoje acordei daquele sonho que se repete e fere, como andar de pés descalços em corais de recifes antigos.  

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Dia de Recital

            Hoje é dia de recital. Minha cantiga é só para acautelar que a noite esfriou e os agasalhos estão mofados pelo desuso. Na verdade, profiro trovas porque talvez prefira não compor canções. Substrato confessional, sem reprimendas. 
Apanhei lápis e papel, porém fui acometida pelo gracejo cubano de uma conga afinada. A temperatura registrada na cidade era de nove graus e provavelmente minha declamação sofria ares mórbidos, assolados pelo frio.
Busquei, de imediato, aquecer a lareira de alvenaria construída com zelo num recinto espaçoso. A fuligem e a fumaça não se espalha por aqui, mas minha voz alcança as reminiscências capitaneadas pelo solista que persevera no cortejo.
Confira a faixa "Dia de Recital" no EP ENCONTROS DIÁRIOS:



Encontros Diários no SoundCloud


Na tentativa de facilitar o acesso dos deficientes visuais aos devaneios do meu blog “Encontros Diários”, lancei há dois anos atrás o áudio livro “Encontros Diários”, utilizando a plataforma SoundCloud para suprir essa demanda pouco trabalhada por nós, escritores cearenses.  

A ideia é ouvir para ver outros mundos, outros territórios “não territorializados” e, assim, dar voz a instabilidade das nossas certezas, tão bem escondidas no porão. Por esse prisma, “Encontros Diários” que de início nasceu para ser utilizada apenas para pessoas com deficiência visual, já ganhou adeptos, até mesmo dos não deficientes.

Encontros Diários pelo SoundCloud é um “escutatório”; um espaço construído diariamente, a fim de, juntos, desbravarmos as palavras em narrativas insondáveis – ainda bem.

Entre e fique à vontade para ouvir e imaginar.


Lisiane Forte
Obs.: O Áudio livro, livro falado ou audiobook é uma mídia com gravação de conteúdos de um livro lidos em voz alta. Pode-se encontrar áudio livros gratuitos ou pagos em sites de domínio público e livrarias.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Cobogós

A fachada da casa de dona Noemi amanhecia amarelada pelo sol que, devagar, adentrava pelos cobogós. Seu feitio era feito de reboco e aroma de café coado. A vivenda era avarandada, e dada aos contos dos curiosos que ali passavam a contempla-la.
Pelos corredores dourados da casa, Dona Noemi, célere e impetuosa, não escondia as lonjuras que a atormentavam. Por ser das bandas de cá da cidade, ela nunca soubera comer da vida pelas beiradas. Com a mesa posta, costumava destrinchar as furtivas memórias para as próximas garfadas.
Por detrás da fachada da casa amarelada, seguia-se a vida cheia de brechas, impossíveis de decifra-las.



Nota 
Noemi Pimentel Ramos Forte (1905 – 1989), natural de Baturité/Ce, avó de Lisiane Forte.

Apresentação do Livro Liames na I Feira da Literatura Cearense/ Edição 2018


Fui convidada pela Editora Premius a realizar o lançamento do meu livro LIAMES na I FEIRA DA LITERATURA CEARENSE que ocorrerá de 08 a 10 de março, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), em Fortaleza/Ce. A programação está imperdível e é toda GRATUITA.

E será uma honra contar com a presença de todos às 11h no dia 08 de março no Centro Cultural Banco do Nordeste - CCBNB.
Forte abraço!

Lisiane Forte

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

De todos os pesares

O dia chegou repleto de lucidez e precisão.

E eu recomeçava em outro lugar – dada a previsão.

Estava escrito nos muros da cidade que seria maçante perceber a existência das horas.

E como eu estava silenciosa.

É que às vezes o silêncio pode ser alto demais,

Enquanto todos pagam suas contas abismais.

Ao cair, um ou outro escapava dos golpes de vento.

Esses eram o que esperavam pelo advento.

E eu só tinha o hábito de dissecar milagres,

De todos os meus pares, os pesares.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Rua dos Milagres

Nada restará se tu esqueceres dos segredos do teu quarto.
Verde-lima, percevejo, dos males aparto.
De todas as quinquilharias ajuntadas aos enigmas, descarto:
os relógios, os cabideiros, os cestos organizadores,
E então infarto.

Desmemoriado, lembre-se da Rua dos Milagres, nº 61!
Azul, aromas e rumores, não era um lugar-comum.
Das saídas furtivas às prendas oferecidas, estava sempre em jejum.
Está tudo no álbum, e alguém batia à sua porta, podia ser eu,
E isso era bem comum.


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Anunciação

Os tempos melancólicos trazem de volta as folhas amareladas daquela terra orvalhada. De repente, vejo as ruelas silenciosas desafiarem os outonos imaculados de Santa Irene, esforçando-se a afadigar todos os meus devaneios míticos.
Furtiva e transgressora contorno os caminhos oníricos, e avisto Santa Irene a banhar-se numa lagoa de águas salgadas. A divindade, serva fecunda de Deus, que um dia renunciou a toda vaidade, retoma as suas vestes azuis e seduz os casais com as suas premonições.
Após sua aparição, Santa Irene dissipasse pelos penhascos, instigando ainda mais os meus presságios de setembro. Sim, de tempos em tempos, pressinto seus regressos entre as folhagens douradas das minhas veredas delirantes.
Santa Irene abençoa o meu espirito e nunca recusa os meus cantares; afundo os pés nas areias negras daquela praia, e, mais uma vez, com vestes brancas e sandálias nas mãos, anuncio pela ilha todas as suas quimeras. 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Eterno retorno

Atormentados, perpetuamos vestígios úmidos de propósito: sangue, suor e lágrimas. Descrentes, deixamos rastros imperfeitos, inconscientes da dor que não quer ser interrompida. E inseguros, vagueamos entre linhas e cores, numa diáspora que não tem intenção de cessar. 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Trem Noturno

De longe, avistei quando Ana embarcou naquele trem noturno. De mãos atadas e entre escolhas, silenciei o meu adeus. Considerei sobriamente calar o meu pesar.
Sim, entrei naquela estação enfrentando o frio da madrugada, mas não podia ir adiante. E fui embora com aquela estranha mania de fazer pegadas em terrenos pedregosos.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Mariposas

Alienados e letárgicos, insistimos em sustentarmos aquilo que éramos, enlaçados em nossos próprios dogmas noturnos, inconscientes do real. Contudo, ao abrirmos os lumes, somos absorvidos pelo ímpeto de livrar-se daquilo que já não nos serve mais.
Caminhantes e lúcidos, transgredimos a própria história, a fim de perder o que não é mais necessário. É imprescindível perder, perder-se e desconhecer-se. As mariposas prenunciam que desfazer-se do que nos conserva, rompendo os invólucros, nos leva a novas aquisições e amadurece os nossos sentidos, tão oblíquos.
Afinal, elas trazem presságios funestos e, atraídas pela luz, rodopiam numa valsa desconcertante, tão breve quanto a sua própria vida. Talvez, o caminho seja entrar e sair de casulos para pousar silenciosamente de asas abertas.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Solidão

Era uma vez um dia arrastado, consumido pelo isolamento;
Das horas retraídas,
Das possibilidades podadas,
Dos desígnios postergados.
Hoje, a solidão instalou-se e modificou o meu rosto, a ponto dele ficar obscuro e indefinido. 

domingo, 7 de janeiro de 2018

A febre

Eu não sei quem cuidará da minha febre
E dos meus dedos tortos
Mas ainda espero no casebre
O que deseja os meus restos mortos

Toma lá da cá, pode aguardar;
Das migalhas de tudo o que ouviu falar
Das cicatrizes que arranjei por lá
Das memórias que trouxe para cá

Tudo se foi pelos ares
Nada encontrará
Nem aquela canção; pode apostar
Não conseguirá mais cantarolar

Mas confesso que o medo tomou conta de mim
E eu não quero ficar mais por aqui
As recordações tristes; penduradas ali
Meu suor escorrendo; tu viste dai

Deixe-me ir embora, caro senhor
Levarei comigo tudo o que for furta-cor
O beija-flor, os discos do Belquior e o velho cobertor
A febre passará, meu desertor

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O silêncio

O silêncio alastrou-se pela casa
De repente, as emoções foram recolhidas
Como se as vozes queimassem em brasa
E provocasse minhas razões descabidas.
O silêncio compôs a letra de despedida
Como aquela estranha vizinha
Que, um dia, revelou-se descomprometida
E fez do seu jardim erva daninha.
Eu gritei,
Gritei, sem parar, diante de um quintal sem fim
Onde os jasmins foram abandonados
E onde o silêncio tocou clarim.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O bilhete

Fiz uma longa viagem para desembarcar em seus horizontes, porém já previa que todos os protocolos sustentavam um cenário cheio de controles monótonos. Eu não sobreviveria aquele lugar sem regurgitar as horas que se passariam, e como transitei em estradas secundárias não pude apreciar o caminho que escolheram para mim.
Pudera ignorar os presságios que se pronunciariam e os sorrisos amarelos de quem tem pouco a dizer.  Porém, um dia, amanheci um pouco mais tarde, e com o bilhete nas mãos fiz-me forte para abandonar todos os embaraços e amarras que me sustentavam naquela estação.
Dessa vez, embarcaria em minhas próprias plataformas.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Samba-enredo

Parecia até enredo de escola de samba, mas era o meu “carnavalesco” retrospecto do ano que já maturou. Passei o ano desfilando a pé, usando adereços alusivos as tramas de todos os meus contos.
Não cogitei, em nenhum momento, usar carros alegóricos para a minha jornada tão subversiva. Também, não pus em cena as esculturas de papel marche, a fim de não desviar a atenção do meu cortejo repleto de simbologias. Durante minha marcha frenética, cruzei cidades inteiras devastadas por almas desertas.
Recolhi-me mais adiante, no intuito de reconhecer, com precisão, a cantoria e os batuques que iriam acompanhar toda a minha procissão. Quem entra na avenida pede passagem para prolongar-se ao longo do tempo. Eu passei sem ser vista, porém contagiei os passistas com a minha evolução.